MERCADO FUTURO – A Dinâmica da
Transferência do Risco e a Especulação
© Itamar De
Zan, 2003.
No capítulo anterior dissemos que com os contratos futuros
uma pessoa pode vender primeiro e comprar mais tarde, ou vice-versa. Dissemos
também que os contratos futuros podem ser negociados depositando-se apenas uma
margem de garantia, cujo valor não chega nem a 10% do valor total do contrato.
Adicione a isto o fato de que apenas em torno de 1% dos contratos futuros e de
opções são usados para fazer ou receber a entrega física da soja, e teremos as
características dos mercados futuros que mais intrigam a curiosidade popular.
De fato, é comum a expressão entre os produtores locais de que na Bolsa de
Chicago são negociados apenas “papéis”. Embora isto seja em parte verdade, não
estamos lidando com um “papel” qualquer. É isto o que vamos estudar neste capítulo.
Para tanto, vamos lembrar quem são os participantes do mercado, como os
contratos podem ser liquidados ou exercidos, a margem de garantia e a marcação
a mercado, ou ajuste diário.
Os Participantes de um Mercado
Futuro
Uma das principais razões para a existência de um mercado
futuro é a transferência do risco de variação do preço. Os mercados futuros
permitem que um grupo faça um hedge ou transfira o risco de variação do
preço para um outro grupo disposto a assumir este risco. Por exemplo, um
agricultor, em novembro, cultivando soja que estará pronta para a colheita em
março, quer vender soja em março pelos preços de novembro. Ele pode vender um
contrato futuro ou comprar uma opção de venda que irão ajuda-los a se proteger
contra quaisquer quedas no preço entre novembro e março. Para tanto, ele
precisa de alguém que esteja disposto a comprar dele o contrato futuro, em
novembro. Este comprador pode ser alguém querendo se proteger contra uma
elevação dos preços, um outro hedger, ou um especulador, que espera
obter um lucro pelo aumento dos preços. Assim, temos os dois principais grupos
de participantes do mercado futuro:
1. Hedgers: Hedging é o processo da
transferência de risco para se proteger contra uma perda. Hedging
(leia-se “hédin”) é uma importante função econômica e é essencial para alguns
setores como o de seguros e o setor bancário. Os mercados futuros começaram
pela necessidade que os hedgers (leia-se hédiârs) têm de transferir o
risco de variação dos preços. Os hedgers podem ser agricultores,
indústrias, cerealistas, bancos e outros tipos de pessoas que lidam com o risco
de variações de preço.
2. Especuladores: Especulação é o negócio de assumir
risco na expectativa de um lucro financeiro. O especulador espera lucrar (mas
de modo algum este lucro é garantido) assumindo o risco de variação de preço
que o hedger busca evitar. A sua presença é necessária e permitida
porque o número de participantes que buscam proteção contra preços que estão
baixando, num dado momento, por exemplo, raramente é o mesmo número daqueles
que buscam proteção contra uma alta nos preços. Os especuladores facilitam o
processo de hedging fornecendo liquidez, isto é, a habilidade de entrar
e sair do mercado facilmente. Embora os especuladores possam exagerar alguns
movimentos de mercado, em certas épocas, um estudo imparcial concluiu que a
especulação, na verdade, tende a reduzir a volatilidade dos mercados,
fornecendo liquidez e profundidade. Por causa disto, um vendedor pode, por
exemplo, quase que em qualquer momento, encontrar um comprador pelo preço da
última cotação, ou próximo a ela, e vice-versa.
Liquidação ou Exercício?
Uma das especificações do contrato futuro de soja é o
primeiro de dia de notificação que, no caso do contrato negociado na Bolsa de
Chicago é em torno de 15 dias úteis antes do último dia de negociação do
contrato. Alguém que tenha comprado um contrato futuro deve vende-lo de volta
para outra pessoa até o primeiro dia de notificação, caso ele não tenha
intenção de receber a soja. A partir do primeiro dia de notificação, o vendedor
que não tenha comprado o seu contrato de volta, tem a opção de exercer o
contrato futuro, fazendo a entrega do produto nos armazéns credenciados pela
bolsa. Isto é feito através de uma notificação de intenção de entrega. Assim
que a bolsa recebe esta notificação ela atribui a entrega do produto para um comprador,
por ordem de antiguidade. Esta alternativa é usada por alguns grandes hedgers
que aproveitam preços mais favoráveis no mercado futuro para fazer entrega
física da soja. No entanto, do total de contratos negociados na bolsa, apenas
em torno de 1% chegam a ser exercidos. A maioria dos participantes, tanto hedgers
quanto especuladores, prefere liquidar suas posições comprando-as ou
vendendo-as de volta para outros interessados. A possibilidade de entrega
física do produto, no entanto, garante que a oferta e demanda da soja sejam
fatores decisivos na descoberta do preço. As mesmas considerações são válidas
para o mercado de opções que, na sua maioria, são liquidadas e não chegam a ser
exercidas, pois isto é quase sempre mais conveniente para ambas as partes.
A Especulação
Até que haja a notificação e exercício, os contratos futuros
são negociados apenas mediante o depósito de uma margem de garantia. A margem
de garantia exigida pela Bolsa de Chicago para negociação de um contrato futuro
de 5.000 bushels (2.267 sacas de 60 kg) é atualmente $1.148 dólares
americanos. Com o depósito desta margem, qualquer pessoa disposta a assumir os
riscos de variações do preço, e a se sujeitar às obrigações contratuais daí
decorrentes, pode comprar ou vender contratos futuros, liquidando-os mais
tarde. A margem de garantia é obrigatoriamente depositada perante a Câmara de
Compensação da bolsa pelas corretoras. Estas, por sua vez, fixam os valores
mínimos a serem depositados pelos seus clientes. Se uma mudança nos preços futuros
resultar numa perda numa posição futura aberta de um dia para o outro, será
feito o débito correspondente da conta de margem do cliente para cobrir a
perda. Se o cliente tiver de depositar fundos adicionais para manter a margem
de garantia ele receberá uma notificação de margem (margin call), sob
pena de liquidação forçada da posição, ficando ainda responsável por quaisquer
débitos remanescentes. Por outro lado, se uma mudança nos preços futuros
resultar num ganho numa posição futura aberta, o valor do ganho será creditado
na conta de margem do cliente. O cliente pode fazer saques de sua conta de
margem em qualquer momento, desde que os saques não reduzam o saldo da conta
abaixo do valor mínimo exigido para cobrir a margem de garantia. Assim que a posição
for liquidada pela compra ou venda de volta a outro participante, qualquer
dinheiro na conta de margem, que não seja necessário para cobrir as perdas ou
manter margem de garantia para outras posições abertas, pode ser sacado pelo
cliente. Assim, toda vez que alguém
comprar a um preço mais baixo e vender a um preço mais alto, independentemente
da ordem em que a transação ocorra, terá um lucro financeiro, e vice-versa. Uma
vez liquidada a posição, a margem de garantia é liberada para saque pelo cliente.
E basicamente é isto o que os especuladores fazem: eles assumem todos os riscos
na busca de um lucro financeiro, vendendo e comprando contratos futuros, e de
opções sobre contratos futuros, para liquidá-los mais tarde. No processo, eles
fornecem liquidez ao mercado a garantem a transferência do risco de variação
dos preços para os hedgers.