A BOLSA DE
CHICAGO E O PREÇO DA SOJA (Parte III)
© Itamar De
Zan, 2003.
Dando continuidade à série de
artigos sobre a Bolsa de Chicago e o preço da soja, vamos, neste capítulo,
estudar a Câmara de Compensação ou “Clearinghouse”.
A Câmara de Compensação
(Clearinghouse)
Já vimos que na bolsa de mercado
futuro são negociados contratos para entrega futura de determinado produto ou
instrumento financeiro. Até a última data de negociação, que no caso da soja é
dia útil anterior ao décimo quinto dia do mês de referência ou exercício, o
contrato pode ser negociado livremente no pregão entre os vários participantes.
Assim um determinado contrato pode passar muitas vezes “pelas mãos” de diversas
pessoas. No entanto, a bolsa exige que compradores e vendedores mantenham, cada
um, um depósito da margem de garantia perante a câmara de compensação que
realiza o ajuste diário das posições. A margem de garantia é um depósito de
boa-fé para garantia do cumprimento das obrigações do contrato, e para um
contrato futuro de 5.000 “bushels” (ou 2.268 sacas de 60 Kg) de soja ela
equivale a $600 (seiscentos dólares americanos). Este valor pode ser aumentado
ou diminuído pela bolsa, de acordo com as circunstâncias do mercado num dado
momento. Se, por exemplo, ocorrem variações amplas e bruscas no preço em
decorrência de fatores climáticos que afetam determinada safra, a bolsa pode
elevar essa margem de garantia. Já para compreendermos o que é o ajuste diário,
imaginemos a seguinte situação: A compra de B um contrato futuro de 5.000
bushels a $5.00 por bushel. Após o fechamento do pregão o preço cotado é de
$5.10 por bushel. Neste caso, B está em desvantagem em relação a A, que comprou
dele a um preço menor. A câmara de compensação, então, faz o ajuste diário da
posição, debitando de B $500 (5.000 X (5.10 – 5.00) = 500) e credita este valor
na conta de A. Se no dia seguinte A vende um contrato para outra parte a $5.10
por bushel, ele realiza seu lucro de $500 dólares e recebe a sua margem de
garantia de volta, tendo um lucro líquido de $500. Se B vende um contrato para
outra parte a $ 5.10, ele realiza seu prejuízo de $500 dólares e também recebe
sua margem de garantia de volta, tendo um prejuízo de $500. Caso os preços
tivessem caído, ao invés de subir, quem estaria em vantagem seria B, que vendeu
o contrato, e então ele poderia realizar um lucro. Em ambos os casos, dizemos
que houve uma liquidação ou compensação de contratos, pois A comprou um
contrato e vendeu outro logo em seguida, e B vendeu um contrato e comprou outro
logo em seguida. Assim eles não estão mais obrigados a entregar ou receber o
produto ou bem econômico subjacente ao contrato futuro, pois a obrigação de
receber um contrato compensa a obrigação de entregar este mesmo contrato e
dizemos que eles não têm nenhum contrato em aberto, pois liquidaram suas
posições. Enquanto eles tiverem posições em aberto, ambos são obrigados a
honrar os ajustes diários, mantendo ainda a margem de garantia mínima, sob pena
de liquidação forçada pela bolsa. Até o último dia de negociação eles poderão
liquidar suas posições livremente no pregão da bolsa e realizar quantos
negócios quiserem, obedecidos os limites legais. Por fim, se passado o último
dia de negociação as partes ainda não liquidaram suas posições ou algumas de
suas posições, o vendedor poderá comunicar à bolsa que pretende entregar o
produto ou bem econômico e esta notificará os compradores, por ordem de
interesse ou antiguidade, para recebe-lo. Em algumas bolsas, e dependendo do
contrato negociado, o ajuste poderá ser financeiro pela mera troca de valores.
No caso da soja, na expiração do contrato, o ajuste é feito mediante a entrega
do produto.
Por questões de ordem técnica, e
para maior aproveitamento didático, estaremos abordando somente um item por
edição. Nas próximas edições iremos estudar as regras de negociação, os
participantes, as técnicas de análise do mercado e os contratos de opções.
ENTREVISTA COM CINTHIA MURPHY
Cinthia
Murphy trabalha como repórter para a agência de notícias internacional
OsterDowJones, no pregão do mercado da soja na Bolsa de Chicago (CBOT) e também
escreve artigos sobre o mercado da soja na coluna de commodities do conceituado
jornal norte-americano Wall Street Journal, bem como para a revista Barron’s.
Nesta entrevista exclusiva, ela compartilha um pouco de sua experiência.
Cinthia,
fale-nos um pouco sobre o seu dia-a-dia na Bolsa de Chicago. O que exatamente
você faz?
O nosso
dia começa cedo no pregão e meu propósito principal é produzir matérias sobre o
mercado de soja, farelo e óleo da CBOT e outros assuntos que possam afetar os
preços aqui. Chego às 6:30 da manhã para começar a ler as últimas notícias –
como o que aconteceu nos mercados da Ásia e Europa, quais as últimas previsões
do tempo, como anda a situação da Argentina e Brasil, etc. – converso com
negociadores e analistas, e então preparo uma previsão para o dia reportando
quais as expectativas para o mercado naquele dia: se deve abrir em baixa ou em
alta e por quê. Logo depois que o mercado abre às 9:30 da manhã, horário local,
relato o que está acontecendo no pregão, quem está comprando ou vendendo e o
que está movendo os preços. Uma matéria similar segue o fechamento do mercado
às 13:15. Entre um relatório e outro
trabalho em outras matérias relevantes como peças técnicas sobre direção dos
preços olhando para os gráficos e identificando pontos importantes de suporte e
de resistência, peças sobre como vai o plantio, o desenvolvimento ou colheita
da safra aqui, como vai a demanda da China e o que analistas estão pensando a
respeito e tal. Nossas matérias têm como público principal grandes corretoras,
algumas cerealistas e produtores agrícolas. A própria CBOT usa nosso material
para sua página de Internet, e produzimos também uma coluna diária para o Wall
Street Journal (na página de commodities) e uma semanal para a revista
Barron's. Há monitores de computador com nossas matérias no próprio pregão,
então todo negociador tem acesso às informações que providenciamos.
É sabido
que o volume de soja negociado na bolsa é muito grande, o maior do mundo. Qual
a quantia de contratos de soja que são negociados diariamente num pregão
viva-voz da Bolsa de Chicago?
O volume
varia muito, dependendo do sentimento do mercado. Por exemplo, quinta-feira (13/06)
mais ou menos 59.000 contratos futuros foram negociados em soja (N.R.:
59.000 contratos futuros equivalem a 8.028.572,50 toneladas de soja; 1.000
contratos equivalem a 136.077,50 toneladas), 29.000 em farelo e 28.000 em
óleo. Contratos de opção futuros chegaram a quase 12.000 em soja naquele dia,
1.900 de óleo e 1.400 de farelo. Mas o volume recorde de negociações em soja em
uma sessão é de 129.186 contratos – esse nível foi alcançado em setembro de
1983. O recorde de óleo foi de 61.317
contratos em fevereiro deste ano e de farelo, 61.647 contratos em Novembro de
2000.
A safra de
soja produzida aqui em Palotina pode de algum modo influenciar os preços
praticados aí na bolsa?
De um modo
geral, a safra de soja brasileira pesa muito nas ações do mercado americano,
pois o Brasil é o segundo maior produtor de soja no mundo e apresenta uma
competitividade muito grande para os produtores americanos. Eu diria que os
negociadores e analistas aqui acompanham o plantio, desenvolvimento e colheita
da safra brasileira tão de perto quanto acompanham a dos EUA. E tanto o sul
brasileiro como o centro-oeste têm muito peso nisso, pois produzem muita soja.
Então, se há problemas com a safra do Paraná, por exemplo, o mercado aqui vai
reagir de acordo. Nós temos repórteres no Brasil também e, junto deles,
acompanho como vai a safra e sua comercialização para poder providenciar para o
mercado americano matérias que o informem das perspectivas e das condições no
Brasil. Para isso, contamos com informações de produtores e analistas
brasileiros que estão vendo os campos e as condições aí em primeira mão.
Informes e projeções da CONAB, IBGE, Safras e Mercado e outros também
contribuem muito para a ação do mercado aqui.
Quais os
fatores que estão influenciando o mercado da soja neste momento?
O mercado
da soja nesse momento está bem focalizado no plantio da safra americana de
2002-03. Até semana passada, 85% da soja já tinha sido plantada aqui, mas este
ano os produtores aqui sofreram muito com o excesso de chuvas, o que atrasou
bem os trabalhos e afetou a habilidade da safra de se desenvolver bem. Por esse
motivo, a CBOT tem acompanhado muito de perto as previsões do tempo e como elas
podem afetar a safra daqui pra frente. Mas o mercado também anda muito
entusiasmado com a demanda de soja mundial. Não só o mercado internacional
parece absorver a soja produzida apesar de a oferta ter crescido no último ano,
visto que países como os EUA e o Brasil produziram safras recordes, mas os
problemas financeiros da Argentina também alimentaram idéias de que os EUA
poderiam se beneficiar das dificuldades argentinas para exportar mais de sua
safra, principalmente de óleo e farelo, já que o movimento no país
sul-americano foi afetado. Nesse sentido, analistas aqui têm freqüentemente
notado que a demanda para a soja americana e sua competitividade, nesse período
do ano, estão melhores do que deveriam, visto que, historicamente, nos meses do
verão americano, as safras da América do Sul dominam o mercado. E as últimas
projeções do USDA, divulgadas semana passada, confirmaram esse sentimento ao
trazer uma estimativa mais alta de exportação para os EUA em 2001-02. Outro fator importante no momento é a
China. Depois que os Chineses decidiram implementar restrições na importação de
soja geneticamente modificada em Março, seu nível de importação despencou e
afetou o mercado americano, que é tradicionalmente seu maior fornecedor de
soja, mas cuja safra é mais ou menos 70% feita de soja geneticamente
modificada. Porém, nas últimas duas semanas o mercado chinês começou a dar
sinais de vida e alguns negócios de soja foram reportados, animando muitos
negociadores da CBOT, que continuam a observar cada passo que a China dá.
Ao seu
ver, qual a importância da Bolsa de Chicago para o agricultor palotinense e que
mensagem você deixaria para ele?
A CBOT
serve como benchmark (padrão de referência) de preços da soja,
mundialmente. O que acontece no pregão aqui afeta produtores e corretores no
mundo todo, por isso sua importância para um produtor em Palotina ou em
qualquer outro lugar do mundo é muito grande. É até engraçado que há um
desentendimento constante entre os produtores e os negociadores, já que os
produtores parecem sempre descontentes com o movimento dos preços na CBOT. Há
até muitas piadas sobre isso. Mas a verdade é que há uma relação simbiótica
entre os dois. O pregão precisa das informações do campo para poder negociar a
safra futura do modo que mais represente o que está acontecendo com a oferta e
demandas mundiais, e isso só é possível com acesso a muita informação, e o
produtor precisa do pregão para poder fazer “hedge” (mecanismo de proteção
contra variações de preço) de sua safra e se imunizar ao máximo de possíveis
perdas financeiras em um ano em que, por exemplo, a safra não seja tão produtiva
quanto esperado. É uma via de duas mãos. Neste sentido, Palotina pode ser uma
cidade pequena no mapa, mas a soja que sai daí é tão importante para o mercado
aqui quanto a soja crescendo logo ao sul de Chicago.